Pauta das 7

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Alvo de polêmica, boxeadora argelina é cis, mas com alto nível de testosterona

Foto: reprodução

Uma luta de boxe nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 criou um alto debate sobre a elegibilidade de atletas trans na competição internacional. Entretanto, a boxeadora Imane Khelif – alvo de críticas que vieram até da Primeira-Ministra da Itália, Giogia Meloni – é uma mulher cisgênero que carrega um nível de testosterona próximo ao masculino, tornando-a um alvo de debate entre as federações esportivas do mundo todo.

Nascida mulher e identificada com o genêro, Khelif foi criada em uma vila rural na Árgelia e desde cedo brincou em esportes como futebol e boxe. Entretanto, sofria restrições da própria família, com um pai que não aprovava que mulheres praticassem o esporte. “Muitos pais desconhecem as vantagens do esporte e como ele pode melhorar não apenas sua aptidão física, mas também seu bem-estar mental”, afirmou a atleta em entrevista ao site da UNICEF, onde se tornou embaixadora da entidade.

Entretanto, o que faz Imane e outras atletas cisgênero sofrerem restrições de disputa em modalidades esportivas é a medição de testosterona e material genético de seus corpos, medida que vem sendo realizada desde o início do século 20 e que já foi alvo de polêmicas durante toda a história esportiva mundial. Atletas cis de países africanos, por exemplo, são maior alvo deste tipo de exame e excluídas de competições. Em muitos casos, elas precisam provar serem mulheres cis em exames invasivos e que questionam sua história e sua condição. 

Hoje, o COI utiliza critérios para determinar a elegibilidade de atletas femininas nas disputas esportivas. Estes critérios são inclusive alvo de críticas de ONGs dos direitos humanos, que consideram o Comitê Olímpico e outras entidades esportivas como preconceituosas com as mulheres cis, trans e intersexo. No caso de Khelif, a pugilista foi reprovada pela Associação Internacional de Boxe (IBA) por “falhar os critérios de elegibilidade” do Mundial de Boxe 2023. 

Estes exames não seguem os padrões do COI e foram envoltos em polémica por não terem sido divulgados pela entidade e nem apresentarem qualquer tipo de qualificação do nível de testosterona ou feminilidade da atleta. Em 2018, três atletas que foram medalhistas nos Jogos do Rio 2016 foram desqualificadas para Tóquio 2020 por conta da redução do limite permitido pela Federação Internacional de Atletismo.

Entretanto, o presidente da federação – Umar Kremlev – afirmou em entrevistas que os teste de DNA da atleta argelina (e da taiwanesa Yu-Ting) apresentavam o cromossomo XY, o que as classificaria supostamente como masculinas. Porém, a aparição deste cromossomo também é determinada pelos chamados Disturbios do Desenvolvimento Sexual, que faz com que algumas mulheres tenham cromossomos XY e nível de testosterona elevado. Para a disputa de competições esportivas, estes níveis precisam ser testados e cumprir os critérios necessários. Além disso, a entidade foi desfiliada do COI por inúmeros casos de falta de ética e lisura em suas normas e determinações. Recentemente, foram descobertos casos de fraude nas notas dos juízes na disputa de eventos que eram delegados pela entidade

Desta maneira, para o COI e entidades esportivas, um alto nível de testosterona inviabiliza atletas femininas e pode até significar como doping, pois beneficiaria aqueles que excedem o limite permitido. Se Khelif e Yu-Ting foram elegíveis para o evento, tem seus níveis dentro dos limites permitidos e podem disputar o torneio.

“Isso faz parte do modo como a ciência foi projetada desde os séculos 18 e 19. Ocorre um reducionismo: você reduz um corpo inteiro a partes. Você tem características que melhoram isso ou aquilo. Mas eu vejo como muito pobre a gente pegar um único fator biológico, que é o que acontece hoje com a testosterona, e dizer que foi por ele que o atleta ganhou. Existe um monte de variáveis. O esporte trabalha com a diversidade corporal ou, ao menos, deveria.”, afirma Waleska Vigo Francisco, pesquisadora no Grupo de Estudos Olímpicos da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.

Com todo debate acendido com o assunto, o Comitê Olímpico divulgou carta oficial sobre o caso e pediu discernimento ao debate realizado na esfera social. Veja abaixo:

Carta do Comitê Olímpico Internacional

Toda pessoa tem o direito de praticar esporte sem discriminação.

Todos os atletas participando no torneio de boxe dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 cumprem com as regulações de elegibilidade e entrada da competição, assim como todas as regulações médicas aplicáveis determinadas pela Unidade de Boxe de Paris 2024 (PBU). Como em competições olímpicas de boxe prévias, a idade e o gênero dos atletas são baseados nos seus passaportes.

Estas regras também se aplicaram durante o período de classificação, incluindo os torneios de boxe dos Jogos Europeus, Jogos Asiáticos, Jogos Pan-Americanos e Jogos Pacíficos de 2023, os torneios africanos de classificação de 2023 em Dakar (SEN) e dois torneios classificatórios mundiais realizados em Busto Arsizio (ITA) e Bangkok (TAI) em 2024, que envolveram um total de 1.471 boxeadores diferentes dos 172 comitês olímpicos nacionais (NOCs), o time de refugiados de boxe e atletas individuais neutros, e destacaram mais de 2.000 lutas de classificação.

A PBU usou as regras de boxe de Tóquio 2020 como base para desenvolver os regulamentos para Paris 2024. Isto foi para minimizar o impacto nas preparações dos atletas e garantir consistência entre Jogos Olímpicos. Estas regras de Tóquio 2020 foram baseadas nas regras pós-Rio 2016, que estavam em vigência antes da suspensão da federação internacional de boxe pelo COI em 2019 e da subsequente retirada de seu reconhecimento em 2023.

Vimos em reportagens informações enganadoras sobre duas atletas femininas competindo nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. As duas atletas vêm competindo em competições internacionais de boxe por muitos anos na categoria feminina, incluindo nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, no Campeonato Mundial da Associação Internacional de Boxe (IBA) e em torneios sancionados pela IBA.

Estas duas atletas foram vítimas de uma decisão súbita e arbitrária da IBA. Próximo ao fim do Campeonato Mundial da IBA em 2023, elas foram repentinamente desclassificadas sem qualquer processo justo.

De acordo com as minutas da IBA disponíveis no seu website, a decisão foi tomada inicialmente somente pelo Secretário Geral e CEO da IBA. O Conselho da IBA apenas ratificou a decisão depois e apenas subsequentemente pediu que um procedimento a se seguir em casos similares no futuro fosse estabelecido e refletido nos Regulamentos da IBA. As minutas também dizem que a IBA deveria “estabelecer um procedimento claro para testes genéticos”.

A atual agressão contra essas duas atletas é baseada completamente nesta decisão arbitrária, que foi tomada sem nenhum procedimento próprio – especialmente considerando que essas atletas vinham competindo em competição de alto nível por muitos anos.

Uma abordagem assim é contrária à boa governança.

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